Identificar quem regularizou ativos tem "elevado risco", diz Receita
Permitir que todos os auditores fiscais da Receita Federal tenham acesso a quem aderiu ao programa de regularização de ativos mantidos no exterior “possui elevado risco institucional”. Por isso, os CPFs e os CNPJs de quem participou do programa, conhecido como “repatriação de divisas”, foi trocado pelo CNPJ da Secretaria da Receita Federal, explica o órgão em nova nota de esclarecimento enviada à ConJur.
O novo pronunciamento da Receita foi enviado na tarde desta segunda-feira (8/5) para explicar, mais uma vez, por que nem mesmo seus auditores têm acesso a informações internas a respeito de quem aderiu ao programa de regularização. A Receita explica que apenas os auditores destacados para atuar nas equipes relacionadas ao programa podem ver quem são os declarantes, que aderem à repatriação por meio da Declaração de Regularização Tributária (Dercat).
No sábado (6/5), a Receita havia enviado outra nota informando que esse tipo de procedimento é comum, por causa das regras de sigilo fiscal. Nesta segunda, o órgão afirma que, diante das regras de que as informações referentes ao programa de regularização não podem ser usadas como “único indícios” para instauração de procedimentos criminais ou para iniciar autuações fiscais, foi adotada essa medida de segurança.
As notas foram enviadas por causa de reportagem da ConJur que revelou a prática dentro da Receita: somente os auditores autorizados pela cúpula do órgão é que podem saber quem aderiu ao programa de regularização. Segundo o auditor Kleber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco), esconder o CPF de quem adere a programas especiais é “inédito na Receita”.
Para ele, a manobra inviabiliza a fiscalização, já que os auditores não conseguem cruzar informações das Dercat com o histórico dos contribuintes. “É uma proteção especial sem previsão em lei nem norma específica”, disse Cabral à ConJur.
Mas, segundo a nova nota de esclarecimento da Receita, a análise é “desarrazoada e não condiz com a verdade”. “Assim como as informações decorrentes de seleção de contribuintes que serão fiscalizados, as informações relativas às Dercat não ficam acessíveis para todos os servidores da RFB, mas acessíveis para aqueles que atuam motivadamente nessa área (seleção de contribuintes que serão fiscalizados)”, afirma a Receita.
Lavagem oficial Outra preocupação da Receita Federal é com as informações de que contribuintes estão usando dos mecanismos do programa de repatriação para lavar dinheiro mantido no exterior justamente por causa da origem ilegal. Esse foi o motivo da prisão de pelo menos um diretor da Petrobras envolvido na última fase da operação “lava jato”.
No dia da deflagração da operação, o procurador da República Diogo Castor de Mattos, que trabalha na “lava jato”, disse que pretende investigar “a caixa-preta da lei de regularização de ativos”, o que chamou atenção dos envolvidos na regulamentação do programa.
De acordo com o Fisco, 25,1 contribuintes, entre pessoas físicas e jurídicas, aderiram ao programa. E a lei que o define impede que sejam regularizadas quantias de origem ilegal. Mas o problema, dizem auditores, é que o Congresso optou por confiar apenas na palavra do declarante e excluiu a possibilidade de comprovação da origem lícita — esse trecho da lei suscitou debates doutrinários e jurídicos, diante do princípio da não autoincriminação.
Na nota desta segunda-feira, o Fisco afirma que todas as declarações relacionadas ao programa de repatriação estão sujeitas a “auditoria posterior” que pode resultar na exclusão do contribuinte do regime especial. “Os efeitos de extinção criminal se restringem aos crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, sonegação previdenciária, evasão de divisas e lavagem de dinheiro”, diz a Receita.
Leia a nota enviada nesta segunda-feira:
RERCT não permite regularização de bens de origem ilícita. Receita tem meios para identificar abusos na regularização de ativos no exterior.
Sobre as recentes informações de que pessoas estariam lavando recursos de origem ilícita com a utilização da Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, que instituiu Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), ou ainda de que se estaria a esconder dados de regularização de ativos no exterior, a Receita Federal informa que não há como alguém se beneficiar de forma definitiva dos efeitos da referida lei quando a origem dos recursos é ilícita.
Assim como ocorre com a Declaração do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (DIRPF), os contribuintes que inserirem informações falsas ou omitem dados sobre existência de bens ou fontes de rendimento estão sujeitos a procedimentos de revisão de declarações ou de auditoria, quando são efetuadas as responsabilizações tributárias e penal. Tributária mediante autuação fiscal, com aplicação de multa de ofício entre 75% a 225% sobre o valor do imposto sonegado; e penal em decorrência da lavratura Representação Fiscal para Fins Penais, destinada ao Ministério Público Federal (MPF), que possui competência para propor ação penal.
Em relação às 25.114 Declarações de Regularização Tributária (DERCAT) transmitidas durante a primeira fase do RERCT, essas declarações também estão sujeitas a procedimentos de auditoria posterior, que podem ter como consequência a exclusão do optante quando este não comprove as informações declaradas, relativas à condição jurídica dos recursos, bens ou direitos declarados (Instrução Normativa RFB nº 1.627, de 11 de maio de 2016, art. 29).
A Lei nº 13.254, de 2016, impede a utilização da DERCAT como único indício para fins de expediente investigatório ou investigação criminal, ou para fundamentar procedimento administrativo de natureza tributária ou cambial (art. 4º, § 12). Além disso, é vetada a divulgação ou compartilhamento das informações prestadas pelos declarantes com Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 7º, § 1º e § 2º).
A definição de código de receita específico para o RERCT decorre do necessário controle da arrecadação federal e se destina, entre outros, a assegurar o adequado repasse a fundos constitucionais. O acesso a base de arrecadação federal é efetuado por diversas áreas da RFB, tais como o atendimento a contribuintes. Logo, manter a vinculação de tais códigos aos respectivos CPNJ ou CPF possui elevado risco institucional ao permitir que servidores que não atuem na atividade de revisão das DERCAT acessem dados sem motivação.
Tais dispositivos não impedem que a RFB possa identificar a inclusão de bens oriundos de recursos ilícitos, pois, conforme determina o art. 4º, § 2º, os bens e direitos declarados na DERCAT deverão ser informados nas DIRPF do optante, isto é, a situação dos bens regularizados, podem ser objeto de diligência adicional pela Fiscalização quando esta identificar variações patrimoniais não suportadas por recursos ordinariamente tributados.
É, portanto, desarrazoada e não condiz com a verdade a afirmação de que a substituição dos CNPJ ou CPF nos Documentos de Arrecadação de Receitas Federais (DARF) impediria a autuação dos Auditores-Fiscais da Fiscalização. Assim como as informações decorrentes de seleção de contribuintes que serão fiscalizados, as informações relativas às DERCAT não ficam acessíveis para todos os servidores da RFB, mas acessíveis para aqueles que atuam motivadamente nessa área (seleção de contribuintes que serão fiscalizados).
Além disso, é importante destacar que os efeitos de extinção criminal se restringem aos crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, sonegação previdenciária, evasão de divisas e lavagem de dinheiro (art. 5º da Lei nº 13.254, de 2016), ou seja, não se estendem a outros crimes, por exemplo, o crime de corrupção ou de tráfico de drogas.
Por fim, ressalte-se que, caso qualquer um dos 25.114 optantes à primeira fase do RERCT tente buscar efeitos de extinção penal para crimes de corrupção ou busque lavar bens que tenham origem em qualquer atividade ilícita, será, após o devido processo legal, excluído do RERCT, conforme art. 29 da IN RFB nº 1.627, de 2016".
Fonte: Consultor Jurídico